Sou eu, (/@¨d!0. Cá estou novamente. Prestes a lhes contar
mais um capítulo da minha vida.
Ansiei tanto por estes dias, vocês não têm ideia. Os dias
onde eu começaria a expor os conhecimentos e descobertas feitas pelos Entremeadores
a despeito dessas criaturas infames.
Estamos tendo que tomar cuidado triplicado agora que eles
sabem quem somos, mas estamos preparados. Nossa organização não será arruinada.
Ato Um
- Cresci como uma criança normal. Uma criança curiosa.
Sempre me metendo em encrencas por descobrir mais do que deveria. Histórias
sempre foram meu forte, quaisquer fossem. Se uma esposa era infiel, se algum
item de valor tivesse sido levado de seu dono ou se algum animal de estimação
fugisse. Eu sempre quis fazer parte de tudo isso. Fazer parte da história era
apenas tão bom quanto poder conta-la.
“ Parte desse meu amor foi
nutrido por meu avô, há muito falecido. Ele me contava histórias incríveis
sobre todo tipo de coisas. Algumas até inacreditáveis. Digo, para a grande
maioria. Não para mim. Eu sempre acreditei, pois acreditar é o primeiro passo no
caminho da descoberta, e eram essas descobertas que me motivavam e me faziam
levantar diariamente da cama.
Uma das histórias em especial, a
sobre os tais Golfinhos-Arbóreos, nunca deixou minha cabeça. Era a única na
qual eu não conseguia acreditar, mas ao mesmo tempo era a única merecedora da
minha total atenção. Digo isso porque me lembro bem de quando ele a contou para
mim. Eu nunca vira o vovô tão motivado, tão imerso em sua história, ele não
meramente a contava, a revivia. Ela terminava com um aviso: “Anote o que digo,
criança. Cedo ou tarde, uma das raças terá o poderio para destruir seu inimigo
e, tenha certeza, nosso planeta, assim como a humanidade, não será poupada. ”.
Eram palavras fortes demais para serem ditas a uma criança de seis anos. Tudo
isso me levava a crer que haviam verdades naquela louca história. Durante
alguns anos, na minha adolescência, eu tentei acreditar nela. Mas nada podia
fazer a respeito. Não era como se houvessem pistas por aí. Observei de longe
alguns patos no parque, mas nada mais eram, apenas patos vivendo suas vidas de
patos, balançando sua cauda enquanto boiavam sobre o espelho d’água e bicando o
chão por migalhas de pão arremessadas por senhoras de idade. Logo desisti e
continuei a viver minha vida.
Me formei em jornalismo. Trabalhei
em alguns jornais de renome. Vivia minha vidinha pacata, ansiando dia a dia por
algo mais. Algo que me fizesse sentir como nos dias de antigamente, quando eu
descobria algo capaz de chocar a vizinhança inteira, mas dessa vez eu queria muito
mais. Eu queria chocar o mundo. O problema é que vivendo a vida de assalariado
não há muito que se possa fazer. Meu trabalho não me dava a liberdade da qual
necessitava, mas ao menos me mantinha informado de tudo que acontecia ao redor
do planeta.
Certo dia - era uma terça-feira
se não me engano - ouvi por alto um amigo de trabalho falar sobre algo que
tinha lido. Era uma reportagem a respeito de um golfinho chamado Winter, que
vivia agora no Aquário de Clearwater na Flórida, e sua incrível história de
superação. Aparentemente, o golfinho fora resgatado em uma lagoa perto de Cabo
Canaveral, na costa da Flórida nos Estados Unidos, quando tinha apenas três
meses de idade. Ela estava machucada: Tinha prendido sua cauda em uma armadilha
para caranguejos e isso causou danos a sua nadadeira. A linha presa em sua cauda
havia cortado a circulação sanguínea, resultando na perda da mesma. Então, com
a ajuda de uma cauda protética, ela conseguiu novamente nadar e crescer de
maneira saudável.
Esse caso me fez então pensar na
tal história do meu avô, coisa que eu já não fazia há tempos. Winter era o nome
de um dos três demônios, um dos descendentes de Delphim, o Golfinho-Arbóreo
primordial na Terra. Aquilo me deixou curioso e intrigado. Era uma grande
besteira, mas essa mesma besteira me mantinha acordado por muitas horas, noite
após noite. Decidi então dar um basta nisso. Tirei férias no trabalho e fiz uma
viagem para Flórida.
Era um lugar bonito. As praias e
o calor me faziam sentir em casa. O hotel em que me hospedei tinha de tudo:
Piscinas, spa, salão de jogos, um buffet de café da manhã sensacional, entre
outras regalias mais. Podia ter escolhido uma opção mais barata, mas eram
minhas férias. Precisava relaxar, tirar minha cabeça daquele ritmo estressante.
E, é claro, nada disso deu certo. Sempre fui um cara muito ansioso e no fundo
eu sabia que enquanto não visitasse o maldito Aquário de Clearwater não
conseguiria relaxar.
Então o fiz.
Deixei o hotel pela manhã, logo
depois de um café da manhã mais que reforçado. Era estranho estar em um lugar
onde ninguém fala sua língua nativa, mas não dificultava minha vida. Sempre fui
bom no inglês. Ainda assim, te faz sentir um pouco intimidado e indefeso.
Cheguei no Aquário. O lugar
ofereceu um passeio adorável e bem educativo para famílias. Fiquei perto de
lontras, arraias, tartarugas marinhas e, até me ofereceram uma aproximação dos
tubarões, mas recusei educadamente. Nunca fui fã de tais criaturas – dentes
demais e miolos de menos. Fiz também uma excursão pelo hospital veterinário do
Aquário. Lá me foi explicado como o Aquário resgata, reabilita e solta os
animais marinhos machucados, como foi o caso da Winter. Exceto que ela ainda
vivia por lá. Fomos então visitar o animal.
O grupo com o qual eu estava
chegou à um dos tantos vidros que rodeavam o tanque onde o tal golfinho vivia.
Com tantas pessoas na minha frente consegui apenas um vislumbre da criatura.
Esperei enquanto as crianças que gritavam em êxtase eventualmente perdiam o
interesse. Alguns pais foram deixando seus postos e pude me aproximar aos
poucos. Até que enfim cheguei ao vidro. Quando a vi com clareza, Winter estava
de costas, dando piruetas na água, fazendo graça para sua plateia em outro
vidro. Não parava nunca. Sua cauda protética chamava a atenção. Uma peça branca
feita de sabe-se lá que material, presa a ela pelo que parecia ser um cinto e
um elástico. Apesar disso parecia tão capaz quanto os outros golfinhos do
tanque. Até mais feliz, se me perguntar.
Ela nadou para o alto e então
desceu, mais uma vez em piruetas. Deu atenção a outro vidro dessa vez. Sempre
em movimento. Então chegou a minha vez de receber alguma atenção do animal. Ela
nadou pelo meu vidro tendo sua barriga virada para nós enquanto com a barbatana
esquerda parecia dar-nos tchau. Então ela voltou ao meu vidro, e foi quando as
coisas ficaram estranhas.
Winter parou exatamente na minha
frente. Eu estava no canto esquerdo do vidro, ela quase não podia me ver, mas
lá estava ela. Seus olhos pretos na altura dos meus olhos enquanto ela parecia
flutuar na água. As pessoas ao meu lado eram, em coro, uma mescla de surpresa e
diversão. Uma criança tentou inutilmente me empurrar. Queria tomar meu lugar.
Queria a atenção de Winter. Mal sabia ela que a atenção que eu ganhava estava
muito longe de ser uma coisa boa. Algo naqueles olhos pretos gritava “Perigo.
”. Winter abriu sua boca. Deve ter emitido algum som. Logo os outros golfinhos
do aquário estavam em torno dela, todos me encarando, como se quisessem me dar
um aviso, ou pior, uma sentença. Eles pareciam saber quem eu era. Pareciam
saber o que eu sabia. E agora tinham me dado a certeza. Agora sim eu acreditava.
Não preciso dizer que nenhuma das
regalias de meu hotel foram devidamente aproveitadas. Passei o resto de minhas
férias trancado no quarto. Preso em meu computador. Pesquisando todo tipo de
acontecimento nos últimos anos.
Voltei para casa então, depois de
uma semana. Eu não estava preparado para nada daquilo. Ainda não.
Minha casa havia sumido.
Na verdade, havia sido
substituída por outra casa, com outros moradores. Quando os inquiri a respeito
do que estava acontecendo ali, sobre quem eram, a resposta que me deram fora
que sempre moraram ali, naquela mesma casa, naquele mesmo endereço. Nos meus
anos de carreira aprendi a ver através de mentiras e, o que mais me incomodou, foi
saber que o que eles diziam era a mais pura verdade. Não que fosse de fato a verdade,
mas era nisso que aquelas pessoas acreditavam. Haviam sido manipulados a
acreditar naquilo. Talvez até sofrido algum tipo de lavagem cerebral. Tudo
aquilo era muito estranho. Sem ter para onde ir, tentei entrar em contato com
um de meus amigos próximos. Ele atendeu o celular e, quando me identifiquei,
ele alegou não me conhecer, nunca sequer ter ouvido falar de mim.
Eu havia sido apagado. Meu número
de telefone não constava na lista, meus amigos e família não tinham qualquer
recordação de mim, minha imagem sumira das fotos, meus documentos invalidados.
Alguém se adiantou para que minha falta não fosse ser sentida por ninguém e eu
estava inclinado a desconfiar de quem pudesse ter sido. Agora, só faltava uma
coisa a ser feita: Me eliminar.
Não foi uma noite fácil. Fui até
o parque, onde planejava passar a noite, mas ao ver os patos acordados decidi
não arriscar. Andando então pela rua, fui abordado por um grupo. Eles vieram de
lugar nenhum, bloquearam minha visão com um saco de pano preto como uma noite sem
estrelas e me desacordaram com uma pancada oblíqua na cabeça.
Por mais inacreditável que possa
soar, eles foram minha salvação. Mas por outro lado, toda essa história se
resume em “inacreditável”.
Logo quando acordei fui
apresentado a minha nova família. Os Entremeadores. Um grupo de pessoas que
sabem da verdade, assim como eu. Todos eles tiveram seus nomes apagados da
história, mas viveram para ver mais uma vez o sol nascer. Pessoas dedicadas a
expor as execráveis criaturas que aos poucos destroem nosso planeta e que logo
destruirão a todos nós. Meu trabalho aqui é ser seu porta voz. Estamos sempre
em movimento. Não seremos pegos. Nós precisamos espalhar a mensagem. Precisamos
que a raça humana entenda. Esse será o primeiro passo que juntos daremos contra
esses malditos. ”