A princípio os três tiveram um pequeno surto.
Tinham menos de um dia para se preparar para uma invasão ao covil inimigo e
nenhum deles parecia estar psicologicamente apto a isso. Arthur insistia para
que tentassem entender. O plano precisava ser executado o quanto antes e ele
tinha certeza que se todos fizessem seu papel, teriam êxito. Malcolm foi o
primeiro a perceber que não adiantava dialogar, Arthur estava certo de que tudo
correria bem, e continuar insistindo só tomaria mais do precioso tempo que lhes
restava. Ele então convenceu Lucas e Lisa de ao menos ouvirem o plano de ação
proposto por Arthur, para então tomarem suas decisões.
Arthur começou falando sobre Christina Shaw,
a agente infiltrada. Ela tinha pele morena, um corpo forte de um metro e
setenta e quatro de altura e havia sido professora de teatro. Atuação era seu
ponto forte, e ela continha uma grande aversão pelos Eclipse, por motivos
particulares, o que fazia dela a escolha certa para o serviço. Ela os ajudaria
indiretamente enquanto estivessem no território dos Eclipse.
A base, a qual pretendiam invadir, era
um pequeno prédio. Ele tinha cinco andares e um terraço. Seu alvo estaria, de
acordo com as informações passadas por Christina, na maior sala do último
andar. Os Eclipse haviam cercado os arredores do prédio com altas cercas de
arame farpado e tinham patrulhas constantes ao redor do edifício. O primeiro
andar do prédio vivia apinhado de guardas, e câmeras espalhadas dentro e fora
do prédio completavam o sistema de segurança.
- De quantos guardas estamos falando,
aproximadamente? - Perguntou Malcolm.
- Vinte e quatro. - Respondeu Derius.
- Nós cinco vamos dar conta de vinte e quatro
guardas? - Lisa soava incrédula. - Estamos indo para uma missão suicida. Será
que só eu consigo enxergar isso?
- Seria suicídio sim, se fossemos abater todos
eles. - Arthur continuou. - Mas como já disse, nosso alvo é apenas o
comandante. Com ele morto esse grupo dos Eclipse irá debandar. Provavelmente
serão realocados para outro grupo, mais longe. E, de acordo com Christina,
apenas seis pessoas de lá sabem sobre o acordo com os Formigas, sete se
contarmos Christina. O comandante, seus três capangas que fazem o resgate dos
suprimentos, e mais dois guardas, os que encontraram a base dos Formigas.
Christina vai cuidar pessoalmente desses dois guardas. Com a morte do
comandante ela criará um tumulto entre os guardas e enquanto eles deixam
desesperadamente o local, completará sua missão. O comandante ficará na mão de
vocês. Já os três capangas, Derius se encarregará deles assim que saírem do
prédio.
- Tudo bem, só matamos o comandante. Mas como exatamente
chegaremos até ele se não passando pelo primeiro andar? - Lucas perguntou.
- Vocês entrarão diretamente pelo segundo
andar.
- Voaremos janela à dentro?
- Não, Lucas. Derius conseguiu uma escada
grande o suficiente para alcançar as janelas do segundo andar. Vocês darão
início ao plano durante o horário de almoço dos guardas, quando a patrulha do
lado de fora do prédio se resume a dois guardas circulando o edifício. O resto
deles estará na cantina do primeiro andar e lá ficarão por aproximadamente uma
hora. Tempo o suficiente para entrarem e saírem sem serem vistos. Christina se
infiltrará na sala de vídeo, para onde transmitem as câmeras de segurança, dois
guardas cuidam do local, ela os neutralizará e manterá contato direto comigo,
assim poderei guiá-los pelo interior do prédio.
- Só um segundo. - Lisa interrompeu. - Isso
significa que você não estará lá conosco?
- Fisicamente, não. - Respondeu Arthur. - Os
darei um walkie-talkie e vocês o usarão para nos comunicarmos sempre que
conveniente. Fisicamente estarei do lado de fora do prédio, em posição
estratégica para ter uma visão externa do local.
- Então seremos só nós quatro? - Lisa
perguntou.
- Três. - Derius disse descontraidamente. - Eu
vou ter que levar a escada dali assim que vocês entrarem. Ou você pensa que um
dos patrulheiros não perceberá a enorme escada de madeira que subitamente se
materializou na parede?
- Mas não só isso. Derius se encarregará de
abater o número máximo de guardas que conseguir quando Christina incitar o
motim, dando prioridade aos três capangas.
- Você vai mandar três pessoas totalmente
inexperientes adentrarem um prédio cheio de vilões para executar o chefe deles.
- Lisa coçava sua cabeça. - Realmente espera que isso dê certo?
- Bom, inexperiente é um termo equivocado. -
Arthur disse olhando para Malcolm e Lucas.
Eles pareciam envergonhados. Arthur com
certeza sabia que eles já haviam matado, mas Lisa não. Não queriam contar isso
para ela, não sabiam se ela entenderia que houve a necessidade de executarem
outros seres humanos em prol de sua própria segurança. Arthur percebeu o
desconforto dos dois e decidiu não insistir no assunto. Lisa pareceu um pouco
confusa, mas Malcolm levou sua atenção para outro lugar.
- Onde estarão Mark e Russel? - Ele perguntou,
capturando o interesse de Lisa.
- Christina disse que só saberemos ao certo na
hora. As crianças estão sendo movidas constantemente, mas ela acredita que
estarão em algum lugar no quarto ou quinto andar. Poderão buscá-las depois de
executar o comandante.
Lisa assentiu.
- Tudo bem. - Ela disse. - Christina disse
alguma coisa sobre a condição deles?
- Não vou mentir para você garota. Os garotos
tem sido severamente torturados.
A informação não a pegou desprevenida,
mas não havia preparo no mundo capaz de amaciar o impacto que recebera. De
início sua boca se mexia como se quisesse falar, mas nenhuma palavra era
proferida. Lucas se aproximou dela e a abraçou. Lisa se confortou em seus
braços e começou a chorar baixinho.
- Como executaremos o comandante? - Malcolm
perguntou. - Creio que não espera que sejamos criativos.
- O comandante estará na sala maior, Christina
disse que é um quarto improvisado. - Disse Arthur enquanto abria uma gaveta e
tirava algo de dentro. - Vocês o pegarão desprevenido e o eliminarão com isso.
- Ele colocou o objeto perante os garotos. Era uma pistola comum usada pelos
policiais da cidade. - Aqui dentro tem cinco balas, tentem não gastar mais do
que o necessário.
- O barulho do tiro não alertará os guardas no
primeiro andar? - Malcolm quis saber.
- Christina diz que, apesar de ser possível, é
muito improvável que isso aconteça. Ela acha que o barulho gerado pelo
falatório na cantina abafará o som do tiro. Se alguma coisa fora do esperado
acontecer, Christina intercederá. Ela é ótima com improvisos, podem contar com
ela.
Arthur concluiu as instruções e deixou
a arma sobre a mesa para que os três decidissem quem a usaria. Malcolm não
esperou para pegá-la. Já havia atirado em alguém antes, ao menos tinha certeza
de que ele não hesitaria quando a hora chegasse. Arthur os deixou, dizendo que
precisava preparar algumas coisas. Derius não esperou Lisa se recompor, começou
a dar algumas dicas para assassinar, disse que improvisar não era ruim, para
usar o ambiente em sua vantagem, mas que ter uns truques a mais na manga eram
essenciais. Os pôs a par de pequenos detalhes sobre a invasão no dia seguinte,
enquanto escovava os pelos de Dinky. Quando terminou os levou até o segundo
andar da casa e pediu para que ficassem a vontade para escolher qualquer um dos
quartos para pernoitar, e pediu também para que descansassem. Ele os chamaria
para comer algo dentro de algum tempo.
Os três passaram o resto do dia juntos,
sentados na cama. Lisa estava encolhida perto da cabeceira, havia parado de
chorar, mas ainda não estava comunicativa. Malcolm e Lucas tratavam de detalhar
alguns planos de ação entre si. Combinavam alguns comandos e estudavam algumas
estratégias. Lisa os observava sem muito interesse. Derius os chamou para comer
no início da tarde e no final dela. A comida era boa, mas nada muito
sofisticado. Os três conseguiram dormir bem, o que realmente não esperavam. A fadiga
acumulada os auxiliou.
Logo de manhã foram acordados por
Derius que os deu algo para comer e pediu para que se preparassem para sair.
Lhes foram fornecidos casacos, pois o clima havia esfriado. Malcolm colocou a
arma no bolso do seu novo casaco e Lucas fez o mesmo com o walkie-talkie que
Arthur lhe dera, após rapidamente ensiná-los como o usar. Os cinco saíram da
casa em direção a base dos Eclipse. A densa tensão no ar era palpável. Eles não
se sentiam prontos para aquilo, mas a motivação sozinha teria que bastar. Lucas
perguntou a Derius sobre a tal escada e ele respondeu que o material que usaria
estava bem escondido em uma casa, mais perto da base.
Depois de algum tempo caminhando,
Arthur os advertiu para serem mais cautelosos dali em diante, pois se
aproximavam de seu destino. Com um comando sussurrado por Derius, até Dinky se
tornou mais sorrateiro.
O prédio agora estava no campo de visão
deles. Era um edifício cinza e amarelo, a tinta descascava em alguns pontos, o
que mostrava ser uma construção antiga. Um enorme círculo branco semipreenchido
por um círculo preto, logo dos Eclipse, estava pichado nas faces do prédio.
Logos menores estavam espalhadas pelo resto da região. Derius se desgarrou do
grupo e reapareceu alguns minutos depois trazendo uma grande escada de madeira
em condição deplorável e um robusto alicate de corte com o qual ele planejava
abrir um buraco na grande cerca de arame farpado.
- Não dava pra conseguir uma escada mais
confiável não? - Lucas suplicou.
- Uma grande o bastante para chegar onde
queremos, não. - Derius respondeu.
Arthur os desejou boa sorte e pediu
para que Derius os deixasse em posição. Disse que encontraria um lugar com boa
visão para se posicionar e que os avisaria quando agir, pelo walkie-talkie. Ele
então desapareceu como em um piscar de olhos.
Derius os levou para uma esquina
próxima ao prédio, onde estavam sendo estocados alguns materiais de construção.
Eles estavam escondidos atrás de um grande monte de areia e outro de tijolos.
Na reta deles estava uma das laterais da base dos Eclipse. Dinky parecia sentir
a tensão no ar, ele estava deitado, em alerta, como se esperando algum comando
específico de seu dono, o cão pareceu se frustrar quando Derius o mandou ficar,
estava crente de que conseguiria alguma ação.
- Vai precisar de ajuda para carregar a escada?
- Perguntou Malcolm.
- Não, tá tudo bem. Ela é mais leve do que
parece. A madeira não deve ser muito densa. Espero que não quebre. - Derius
tentou em vão esconder seu sorriso.
- Por que você está sorrindo? Isso não tem
graça alguma. - Lisa disse. - Se essa coisa quebra a gente está perdido.
- Eu sei, eu sei. Mas tentem imaginar a cena.
Vocês gritando de terror quando as patrulhas ouvirem o estalido da madeira.
Então eu fujo enquanto vocês são capturados e aí... - Derius cobriu sua boca,
pensativo. - Têm razão, não é engraçado. Me desculpem.
Lucas, Malcolm e Lisa se olharam, ambos
com uma expressão bem confusa em seus rostos.
- Bom, acho que se subirem um de cada vez não
vai ter problema. - Disse Derius. - Só espero que tenhamos tempo o suficiente
para agir com toda essa cautela.
Uma sirene apitou na base dos Eclipse.
Os três ficaram em alerta. Seria aquilo uma espécie de alarme de intrusos?
Christina havia sido descoberta? Derius logo os explicou que aquele era o
alarme para o almoço. Logo o plano entraria em ação.
O walkie-talkie de Lucas apitou e todos
olharam para ele em tempo de flagrá-lo colocando um punhado de areia no bolso
do casaco. "Nunca se sabe", ele disse meio tímido. Juntos atenderam ao
chamado de Arthur. Ele dizia que Christina já estava em posição dentro da sala
de monitoramento, e que estaria passando informações em tempo real para que ele
pudesse auxiliá-los. Segundos depois receberam uma segunda chamada, Arthur
agora explicava o plano de ação.
- Como
previsto, existem dois guardas circulando o prédio em patrulha, estão em
extremidades opostas caminhando no mesmo sentido e no mesmo ritmo. Vocês terão
em torno de sete minutos para entrar e sair de lá. Esse é o tempo que demora
para o primeiro guarda virar a esquina e o outro aparecer. - Falou o
pequeno aparelho na mão de Lucas.
- Em dois minutos chegamos na face do prédio,
com mais três vocês sobem a escada, em um minuto eu saio de lá. Isso soma seis
minutos. - Derius concluiu. - Temos tempo o suficiente.
- Fiquem
preparados. Cinco segundos para o primeiro guarda virar a esquina... quatro,
três, dois, um. Vão.
Derius foi o primeiro a sair em
disparada. Para a surpresa de todos Dinky nem se mexeu. Malcolm, Lucas e Lisa
logo o seguiram em fila indiana, correndo abaixados, como Derius sugeriu. Ao
chegar perto o suficiente, Malcolm Avistou uma placa na cerca que dizia,
"Perigo. Alta voltagem.", chegou a abrir a boca para alertar Derius
antes que ele encostasse o alicate de corte na cerca. Tarde demais. Derius já
havia cortado o primeiro arame. Nada parecia ter acontecido. Malcolm logo
concluiu que aquilo havia sido um belo blefe. Derius demorou menos tempo que o
que havia estimado para cortar a cerca. Deixou seu alicate no chão e logo
seguiu para o prédio acompanhado de seus recrutas. Chegando na parede, Derius
não perdeu tempo em armar a escada na janela aberta mais próxima. Lucas foi o
primeiro a subir. Ele pisou nos degraus com bastante cautela, mas com certa
pressa, tanta que não chegou olhar pela janela antes de se jogar. Por sorte a
sala que ele adentrou estava vazia. Ele colocou sua cabeça para fora da janela
e viu que Lisa já havia começado a subida. Ela subia mais lentamente, mas
ninguém pareceu apressá-la. Quando chegou perto, Lucas a ajudou entrar. Antes
do pé de Lisa tocar o chão da sala, o walkie-talkie apitou e Lucas o atendeu de
imediato, antes mesmo que Malcolm começasse sua subida.
- O
guarda tateou seu bolso e está voltando para procurar algo que deixou cair.
Abortar. - O aparelho reproduzia a imperativa voz de Arthur. - Repito, abortar!
Lucas colocou a cabeça pra fora da
janela e disse a palavra "Abortar.". Derius sem pestanejar puxou
Malcolm, que ainda estava no terceiro degrau, e recolheu a escada.
- Espere, eu preciso subir. - Disse Malcolm
alarmado.
- Você precisa é sair daqui. Agora! - Derius
falou, já puxando Malcolm pelo braço.
- Calma. - Malcolm tateou o bolso de seu
casaco. - Eles precisam disso.
Malcolm retirou de seu bolso a arma que
Arthur os tinha dado. Lucas o olhou em desespero. Ele e Lisa teriam que fazer
aquilo sem a ajuda de Malcolm. Isso é, se ele conseguisse pegar a arma. Derius
esperou Malcolm fazer o lançamento. Lucas não podia errar a pegada, não haveria
uma segunda oportunidade. Malcolm lançou. Conforme a arma fazia seu arco em
direção a janela, Lucas viu o tempo passar mais devagar. Ele estendeu sua mão
direita para pegar a arma, mas a mesma quicou na palma de sua mão antes que ele
pudesse fechar seus dedos. Ainda em câmera lenta ele sentiu raiva de si mesmo,
assistiu a arma cair aos poucos e viu também a reação no rosto de Malcolm mudar
de derrota para desespero, quando como um raio o corpo de Lisa foi projetado
para fora da janela ao seu lado. Ele a segurou de reflexo pelas coxas. Metade
do corpo dela pendia para fora do prédio desajeitadamente. Sua barriga havia se
ralado um pouco na sacada da janela pela velocidade com a qual ela se jogou,
mas ao menos tinha a arma em mãos. Lucas a içou de volta da melhor maneira que
pode enquanto via Malcolm e Derius correrem de volta pelo buraco na cerca e
sumirem atrás da pilha de tijolos. Lisa chegou a ver o guarda virando a esquina
olhando para o chão, em busca de algum objeto perdido, enquanto era puxada de
volta para dentro da sala.
Lucas se sentou no chão e resfolegou.
- Belo mergulho. - Ele disse.
- Levanta. Não temos tempo para isso. - Disse Lisa
guardando a arma no bolso do seu largo casaco.
Observaram que a sala onde se
encontravam estava mais para um quarto improvisado. Vários colchonetes e
pedaços de estofado estavam jogados pelo chão, assim como algumas peças de
roupas aleatórias e travesseiros surrados. Encostado no canto do quarto havia
mobília de escritório, o que indicava que aquele quarto havia sofrido uma
reestruturação. Enquanto Arthur não lhes passava um novo comando, Lisa colocou
seu ouvido na porta e Lucas se pôs a procurar qualquer coisa de útil no quarto.
Em uma das gavetas da mesa de escritório, Lucas encontrou um porta-lápis
jogado. Dentro dele algumas canetas, lápis e um estilete, que ele pegou para
si.
Arthur entrou em contato e disse que
eles deveriam sair do quarto, seguir o corredor à esquerda e então virar à
direita depois de um banheiro. Eles encontrariam uma escadaria que os levaria
até o último andar, disse também para que ficassem tranquilos, pois não havia
nenhum guarda do segundo andar para cima. Lisa não perdeu tempo e logo perguntou
sobre o paradeiro de seus irmãos. Arthur disse que Christina não os tinha
visualizado pelas câmeras em nenhum lugar do prédio, então era provável que
eles estivessem dentro do quarto do comandante, por ser o único cômodo sem um
sistema de vigilância. Eles assentiram e tomaram seu rumo. Mesmo sabendo que
não encontrariam ninguém pelo caminho, Lisa não conseguia parar de tremer. Essa
resposta que seu corpo dava a adrenalina era bem diferente da de Lucas. Ele
parecia mais vivo do que nunca, seus olhos estavam focados e arregalados, sua
respiração estava, diferente da de Lisa, inaudível, seu comum ar brincalhão
estava aos poucos se transformando em uma seriedade diferente da de Malcolm.
Enquanto Malcolm permanecia quieto para avaliar os fatos e tomar uma decisão
cautelosa, Lucas o fazia como se não estivesse pensando em nada. Como se
estivesse dando autorização ao seu corpo de agir por intuição e reflexo. Uma
mente perfeitamente limpa para que não o atrapalhasse quando subitamente
tivesse de agir.
Juntos subiram a escadaria até o último
andar. Tinham uma hora para sair dali. Tempo mais do que o suficiente.
Ao pisarem no quinto andar, Arthur os
advertiu que o quarto do comandante era seguindo o corredor, a terceira porta à
esquerda. Para que eles entrassem calmamente, e ganharem nem que fosse um
segundo de atenção pela curiosidade do comandante, que não deveria esperar por visitas.
Para o atirador ser o primeiro a entrar no quarto, já com a arma engatilhada e
preparada para o tiro. Lucas colocou o walkie-talkie no bolso de trás da calça
e pediu então a pistola para Lisa, mas ela fez questão de atirar. Lucas não
quis insistir, então a deixou ir na frente. Ela segurou a pistola com sua mão
direita na altura do ombro, mirando para cima, como via em filmes, com a mão
esquerda ela segurou a maçaneta da porta e hesitou por um momento. Lucas a
observou com cautela. Ele sabia que se ela não fosse capaz de agir teria de
tomar as rédeas da situação. Um minuto se passou e tudo que Lisa fazia era
manter seus olhos fechados e tentar controlar sua respiração. Lucas decidiu
intervir, mas justo quando sua mão se aproximava do ombro dela, ela girou a
maçaneta.
Tudo aconteceu muito rápido depois que
Lisa entrou no quarto. Ela avistou de imediato um homem do lado direito da
sala, sentado a uma mesa, almoçando. Era um homem alto na casa dos cinquenta
anos. Ele olhou para ela com certa curiosidade em seus olhos. E Lucas ao entrar,
logo depois de Lisa, ainda pode ver a curiosidade se transformar em espanto quando
ela apontou a arma na direção do homem. O plano teria sido concluído de
imediato, isto é, se Lisa não tivesse hesitado. Os dois ouviram uma fraca voz
vindo do outro lado da sala, "Lisa?", a voz dizia. Eles enfim
perceberam o problema no qual tinham se metido. Lucas viu um dos gêmeos,
aparentemente, desacordado no chão, o outro estava de joelhos, com as mãos
amarradas nas costas, rodeado de três homens. Lucas os reconheceu como os
capangas que levaram os garotos. Os que Derius estava encarregado de matar. Sua
esperança de sair dessa vivo tinha diminuído drasticamente. Lisa balbuciou o
nome de Russel quando percebeu o estado em que o menino se encontrava. Seu
cabelo havia sido retalhado desproporcionalmente, seu rosto estava disforme
pelo inchaço, seu corpo nu apresentava hematomas por toda parte e sangue lhe
escorria de diversos cortes superficiais. Lisa caiu de joelhos, incrédula, com
a arma ainda em mãos. Sua alma parecia ter deixado o manequim de carne que
agora era seu corpo. Ela não tinha mais lágrimas para chorar, voz para falar ou
força nos músculos para se mexer. Permaneceu ajoelhada, de frente para seu
irmão que a encarava, pela primeira vez, com uma súplica de ajuda no olhar.
Lucas
sabia que tinham perdido a melhor oportunidade deles, mas ainda não estava
pronto para desistir. Ele se abaixou rapidamente no intuito de pegar a arma das
mãos de Lisa. O comandante, aproveitando a oportunidade e, num súbito
movimento, virou a mesa de madeira verticalmente e se abaixou atrás dela para
usá-la de escudo. Um dos três capangas sacou seu cutelo de ferro e o colocou
rente ao pescoço de Russel.
- Nem mais um passo. – Disse então.
Lucas paralisou antes de alcançar a
arma nas mãos de Lisa. Ela mesma nem parecia ter ouvido o homem falar.
- Max. - Gritou o comandante de trás da mesa.
Fora do campo de visão de Lucas. - Jogue meu colete. Está em cima da cama.
Um dos capangas desarmados se locomoveu
até a cama, no centro do quarto, sem tirar os olhos de Lucas. Quebrou então o
contato visual para procurar, dentre as peças de roupas bagunçadas em cima da
cama, o colete. Ao encontrá-lo o jogou para o comandante, atrás da mesa.
- Ei. - Começou o capanga que tinha pego o
colete. - Essa não é a irmã desses merdinhas?
- É ela mesmo. - Respondeu o capanga que Lucas
reconheceu como o que havia feito a transação. - Chefe, o que vamos fazer com eles?
O comandante se levantou de trás da
mesa, agora com um colete a prova de balas vestido por cima de sua camisa
havaiana. Ele foi, calmamente, até sua mesa de cabeceira e de dentro da gaveta
tirou uma pistola prateada. O comandante sentou em sua cama e avaliou os dois
intrusos minuciosamente.
- Tenho ótimos planos para o que fazer com essa
rata. - Disse então em um tom perigosamente calmo. - Já o rato, deem-lhe uma
surra e então o matem.
O capanga do cutelo jogou Russel na
direção de seu comandante, que o pôs de joelhos em sua frente, para que também
pudesse assistir a execução. Ele manteve sua pistola prateada encostada na nuca
do menino, para desencorajar seus visitantes.
O líder dos três capangas tomou a
dianteira, Max e o capanga do cutelo estavam mais atrás, em formação de
"v". Lucas estava certo de que eles ainda não iam incomodar Lisa, e
também não precisavam, a garota era um vegetal que agora olhava para o chão
enquanto seu lábio inferior tremia. Ele caminhou para trás e para a direita,
para afastar os capangas de Lisa, e deu certo, ele era o foco dos três. Lucas
bateu com as costas na parede.
- Parece que o ratinho está encurralado. -
Disse o líder dos capangas enquanto estalava as juntas dos dedos da mão.
Lucas colocou as mãos nos bolsos do
casaco. Ele estava preparado. O capanga da frente deferiu um soco direto com a
mão esquerda na direção de Lucas, que se abaixou a tempo de esquivar, ele
gingou para direita e, como uma cobra, tirou sua mão do casaco e cravou o
estilete bem fundo, na lateral do pescoço do homem que, com o impacto, já caía
de lado. Os outros dois que estavam atrás não levaram fé na cena que viam. O do
cutelo levantou sua arma a segurando com as duas mãos, preparado para
guilhotinar um pedaço de Lucas, enquanto o outro seguia com os olhos seu amigo
caindo. Lucas encheu sua mão no outro bolso do casaco e jogou areia como um
chicote na direção do rosto dos dois outros capangas. O do cutelo foi pego em
cheio, o Max, nem tanto, por estar no momento olhando um pouco para o lado. A
areia fina bateu em seus olhos como um milhão de navalhas, sua reação foi
soltar o cutelo em pleno ar para coçar seus olhos. Lucas contava com isso. Ele
viu em câmera lenta o cutelo cair na sua frente, e usando puramente reflexo e
instinto, esticou sua mão para pegá-lo. Não teve tanta sorte. Apesar de ter
amparado o cutelo em pleno ar, o fez com a palma de sua mão na lâmina do
objeto. E como aquilo estava afiado. Na hora, tomado pela adrenalina, Lucas não
chegou a sentir o corte, mas viu o vívido líquido vermelho que começara a
jorrar de sua mão. Como se para compensar sua má sorte, foi capaz de girar o
cutelo em sua mão com exímia destreza, assim, o conseguiu segurar pelo cabo.
Usando toda sua força ele cravou o cutelo na face de seu ex-dono, que por ter
suas mãos abertas, cobrindo seus olhos, acabou também por perder uns três
dedos. O último dos capangas, Max, tinha seu olho esquerdo fechado por causa da
areia, mas mesmo com dificuldades se lançou na direção de Lucas. Não teve tempo
de ver se o homem estava armado, então não quis arriscar se lançar numa
abordagem direta, ao invés disso Lucas mergulhou perto de sua primeira vítima,
que jazia se debatendo no chão com o estilete ainda cravado em seu pescoço
vermelho. Ele o recuperou e então o cravou no pé esquerdo de Max que olhava
incrédulo para ele. A reação de Max foi levantar seu pé e pular em um pé só,
mas antes disso Lucas puxou de volta o estilete. Quando o pé direito de Max
tocou pela terceira vez o chão em uma dança meio desequilibrada, Lucas usou o
estilete para cortar o tendão acima do calcanhar direito de Max. Ele caiu
sentado no chão, gritando em uma agonia mortal. Enquanto Lucas se levantava
pode ver de relance a expressão de deleite que o comandante tinha em seu rosto,
assim como o medo no de Russel. Ele sentou no peito de Max, que ainda gritava e
o calou com sua mão direita, sujando o rosto do homem de sangue. Com o estilete
ele lentamente cortou a garganta do homem e por alguns segundos assistiu
enquanto o sangue jorrava.
O comandante assistiu Lucas, totalmente
embasbacado. Ele precisou de alguns segundos para tomar algum ar. Em algum
momento Lisa parecia ter recuperado um pouco da sanidade e parecia estar
tentando se lembrar de onde estava e do que acontecia.
- Isso é que eu chamo de entretenimento. -
Disse o comandante. Construindo um sorriso. - Judiar desses garotos não é nada
perto disso.
- Russel... - Lucas serrou os dentes enquanto
se levantava. - Solte o garoto.
Ouvir o nome de seu irmão fez a mente
de Lisa pegar no tranco. Ela piscou seus olhos procurando pela sala. Ao avistar
Russel ela fez menção de se levantar.
- Parada aí, ratinha. Seu... - O comandante
teve um tique em seu olho esquerdo enquanto lembrava. - Irmãozinho, está por um
fio.
- Por favor. Deixa ele em paz. - Lucas pediu. -
É só um garoto.
- Mas veja bem. Você acabou de matar três
amigos meus. Seria justo se...
- Amigos? - Lucas o interrompeu. - Você estava
gostando. Estava estampado na sua cara. Você chamou de entretenimento. Que tipo
de pessoa é você?
- Não me interrompa, rato. - Disse enquanto
pegava firme na raiz do que restou dos cabelos de Russel.
O
garoto arfou.
- Como eu dizia, seria apenas justo se eu
matasse três dos seus amigos, não acha?
- Ninguém precisa matar ninguém. Solte os
garotos e nós vamos embora. - Lucas blefou.
O comandante riu sem achar graça.
Abaixou sua cabeça por alguns segundos, enquanto ainda apontava a arma para
Russel. Quando levantou de volta sua cabeça ele estava sério. Com raiva. Sua
boca se contraiu, uma veia saltou em seu pescoço e ele franziu o cenho. Abaixou
sua arma enquanto levantava da cama. Ele andou em um semicírculo e se pôs na
frente de Russel. Caminhou vagarosamente em direção a Lucas, mas manteve uma
distância segura.
- Vocês entram na minha casa. Apontam uma arma
para mim. - Dizia encarando Lucas nos olhos. - Você mata a minha família. Agora
me diz que não preciso matar ninguém?
- Calma, por fa...
- Quem diabos você pensa que é? - O comandante
gritava sem controle de sua saliva. - Você me pede calma enquanto suas roupas e
até esse seu cabelo ridículo pingam com o sangue de meus subordinados. Seu
hipócrita maldito. Eu não preciso matar ninguém, mas vou matar porque é isso
que eu faço.
Assim que terminou seu anúncio, o
comandante olhou para trás, e apontou sua arma para a cabeça de Russel.
Lucas
não conseguiria intervir a tempo. Os olhos de Lisa encontraram os de seu irmão.
Ele estava fraco demais para proferir uma palavra sequer, mas sua irmã leu em
seus lábios suas últimas palavras. "Mark". E com o rugido da pistola,
Russel caiu. Lisa quis gritar, mas sua voz se perdeu em todas as lembranças que
tivera do seu querido irmão.
- NÃO!
Lucas seguiu a voz, junto ao
comandante. Mark estava de pé, nu, e bastante machucado, mas não tanto quanto
Russel estivera.
- Um já foi. Agora o outro. - Urrou o
comandante.
A pistola rugiu novamente e um segundo
corpo caiu em um baque surdo.
O comandante jazia de olhos arregalados
no chão, com um buraco vermelho entre seus olhos.
Lucas chegou a acompanhar o movimento
sem vida que Lisa realizou. Ela não havia mirado, apenas apontado e atirado.
Mark caiu de joelhos enquanto o
walkie-talkie apitava no bolso traseiro da calça de Lucas. Ele demorou alguns
segundos para se tocar e então o atendeu. Assim que o fez percebeu que sua voz
estava diferente, cheia de angústia.
- Não sei
o que aconteceu aí, mas fizeram barulho demais. - Arthur disse com certa
urgência. - Christina está subindo o mais
rápido que pode para auxiliar vocês.
-
Não vai ser necessário. Acabamos por aqui. - Disse Lucas. Enquanto olhava os
corpos.
- Pai do céu. Que carnificina é essa? - Uma voz
feminina veio da porta.
Lucas se virou de imediato para ver uma
mulher morena vestindo as cores dos Eclipse, ela tinha duas pistolas em mãos
que procuravam bandidos pela sala como cães farejadores.
- Já acabou. - Lucas falou com nada mais que
tristeza em sua voz. - Missão cumprida.
- Christina.
Hora de improvisar alguma cena. Tire eles daí com vida. - O walkie-talkie
proferiu.
A mulher colocou suas pistolas de volta
nos coldres em sua cintura e pensou por alguns segundos.
- Eis o plano. - Ela começou. - Subam as escadas
para o terraço e de lá vigiem o térreo. Depois que todos os guardas tiverem
fugido em pânico do prédio vocês somem daqui. Estamos sem tempo.
Ela não precisou esperar confirmação.
Correu pra fora do quarto em direção as escadas.
Lucas não sabia ao certo como tirar
Lisa e Mark de lá. Ambos estavam emocionalmente arruinados e ele parecia uma
leoa após a caça, tamanha era a quantidade de sangue em suas roupas. Mark
estava em prantos sem coragem de chegar perto do corpo de seu irmão. Lisa ainda
tinha a pistola com a qual matara o comandante em mãos e estava olhando para
ela. Ele tirou seu casaco e o jogou para longe, foi até a cama e rasgou com as
mãos nuas dois grandes pedaços de lençol. Com um cobriu o corpo de Russel, com
o outro fez uma capa para Mark vestir. Ele tirou a arma das mãos mortas do
comandante e a guardou para si, assim como o colete. Procurou pela cama do
comandante e encontrou um casaco branco que o servia, o vestiu por cima do
colete. Pegou Mark no colo e ajudou Lisa a se levantar, guardou a arma dela
também. Pensou que Lisa estaria relutante em deixar a sala, mas no fim de tudo
ela já não tinha mais forças para brigar. Ele levou os dois consigo até as
escadas, onde conseguiu escutar Christina gritar ensandecida que haviam bombas
no prédio e que todos deviam evacuar o edifício se prezavam por suas vidas.
No terraço, Lisa e Mark ficaram
abraçados no chão enquanto da amurada Lucas via os guardas deixando o prédio
como uma manada de antílopes sendo atacada por famintos predadores. O garoto menor
estava em prantos. Acabara de perder o que pra ele era sua segurança, seu
melhor amigo. Lucas conseguiu imaginar a dor. Ele se sentiria exatamente assim
se por um acaso perdesse Malcolm.
A
missão havia sido um sucesso, mas o preço que pagaram por ela havia sido alto
demais.