sexta-feira, 24 de abril de 2015

Lótus - Capítulo 8

                 A princípio os três tiveram um pequeno surto. Tinham menos de um dia para se preparar para uma invasão ao covil inimigo e nenhum deles parecia estar psicologicamente apto a isso. Arthur insistia para que tentassem entender. O plano precisava ser executado o quanto antes e ele tinha certeza que se todos fizessem seu papel, teriam êxito. Malcolm foi o primeiro a perceber que não adiantava dialogar, Arthur estava certo de que tudo correria bem, e continuar insistindo só tomaria mais do precioso tempo que lhes restava. Ele então convenceu Lucas e Lisa de ao menos ouvirem o plano de ação proposto por Arthur, para então tomarem suas decisões.
           Arthur começou falando sobre Christina Shaw, a agente infiltrada. Ela tinha pele morena, um corpo forte de um metro e setenta e quatro de altura e havia sido professora de teatro. Atuação era seu ponto forte, e ela continha uma grande aversão pelos Eclipse, por motivos particulares, o que fazia dela a escolha certa para o serviço. Ela os ajudaria indiretamente enquanto estivessem no território dos Eclipse.
           A base, a qual pretendiam invadir, era um pequeno prédio. Ele tinha cinco andares e um terraço. Seu alvo estaria, de acordo com as informações passadas por Christina, na maior sala do último andar. Os Eclipse haviam cercado os arredores do prédio com altas cercas de arame farpado e tinham patrulhas constantes ao redor do edifício. O primeiro andar do prédio vivia apinhado de guardas, e câmeras espalhadas dentro e fora do prédio completavam o sistema de segurança.
- De quantos guardas estamos falando, aproximadamente? - Perguntou Malcolm.
- Vinte e quatro. - Respondeu Derius.
- Nós cinco vamos dar conta de vinte e quatro guardas? - Lisa soava incrédula. - Estamos indo para uma missão suicida. Será que só eu consigo enxergar isso?
- Eu enxergo isso também. - Lucas levantou sua mão e olhou pra Malcolm em busca de algum auxílio.
- Seria suicídio sim, se fossemos abater todos eles. - Arthur continuou. - Mas como já disse, nosso alvo é apenas o comandante. Com ele morto esse grupo dos Eclipse irá debandar. Provavelmente serão realocados para outro grupo, mais longe. E, de acordo com Christina, apenas seis pessoas de lá sabem sobre o acordo com os Formigas, sete se contarmos Christina. O comandante, seus três capangas que fazem o resgate dos suprimentos, e mais dois guardas, os que encontraram a base dos Formigas. Christina vai cuidar pessoalmente desses dois guardas. Com a morte do comandante ela criará um tumulto entre os guardas e enquanto eles deixam desesperadamente o local, completará sua missão. O comandante ficará na mão de vocês. Já os três capangas, Derius se encarregará deles assim que saírem do prédio.
- Tudo bem, só matamos o comandante. Mas como exatamente chegaremos até ele se não passando pelo primeiro andar? - Lucas perguntou.
- Vocês entrarão diretamente pelo segundo andar.
- Voaremos janela à dentro?
- Não, Lucas. Derius conseguiu uma escada grande o suficiente para alcançar as janelas do segundo andar. Vocês darão início ao plano durante o horário de almoço dos guardas, quando a patrulha do lado de fora do prédio se resume a dois guardas circulando o edifício. O resto deles estará na cantina do primeiro andar e lá ficarão por aproximadamente uma hora. Tempo o suficiente para entrarem e saírem sem serem vistos. Christina se infiltrará na sala de vídeo, para onde transmitem as câmeras de segurança, dois guardas cuidam do local, ela os neutralizará e manterá contato direto comigo, assim poderei guiá-los pelo interior do prédio.
- Só um segundo. - Lisa interrompeu. - Isso significa que você não estará lá conosco?
- Fisicamente, não. - Respondeu Arthur. - Os darei um walkie-talkie e vocês o usarão para nos comunicarmos sempre que conveniente. Fisicamente estarei do lado de fora do prédio, em posição estratégica para ter uma visão externa do local.
- Então seremos só nós quatro? - Lisa perguntou.
- Três. - Derius disse descontraidamente. - Eu vou ter que levar a escada dali assim que vocês entrarem. Ou você pensa que um dos patrulheiros não perceberá a enorme escada de madeira que subitamente se materializou na parede?
- Mas não só isso. Derius se encarregará de abater o número máximo de guardas que conseguir quando Christina incitar o motim, dando prioridade aos três capangas.
- Você vai mandar três pessoas totalmente inexperientes adentrarem um prédio cheio de vilões para executar o chefe deles. - Lisa coçava sua cabeça. - Realmente espera que isso dê certo?
- Bom, inexperiente é um termo equivocado. - Arthur disse olhando para Malcolm e Lucas.
           Eles pareciam envergonhados. Arthur com certeza sabia que eles já haviam matado, mas Lisa não. Não queriam contar isso para ela, não sabiam se ela entenderia que houve a necessidade de executarem outros seres humanos em prol de sua própria segurança. Arthur percebeu o desconforto dos dois e decidiu não insistir no assunto. Lisa pareceu um pouco confusa, mas Malcolm levou sua atenção para outro lugar.
- Onde estarão Mark e Russel? - Ele perguntou, capturando o interesse de Lisa.
- Christina disse que só saberemos ao certo na hora. As crianças estão sendo movidas constantemente, mas ela acredita que estarão em algum lugar no quarto ou quinto andar. Poderão buscá-las depois de executar o comandante.
           Lisa assentiu.
- Tudo bem. - Ela disse. - Christina disse alguma coisa sobre a condição deles?
- Não vou mentir para você garota. Os garotos tem sido severamente torturados.
           A informação não a pegou desprevenida, mas não havia preparo no mundo capaz de amaciar o impacto que recebera. De início sua boca se mexia como se quisesse falar, mas nenhuma palavra era proferida. Lucas se aproximou dela e a abraçou. Lisa se confortou em seus braços e começou a chorar baixinho.
- Como executaremos o comandante? - Malcolm perguntou. - Creio que não espera que sejamos criativos.
- O comandante estará na sala maior, Christina disse que é um quarto improvisado. - Disse Arthur enquanto abria uma gaveta e tirava algo de dentro. - Vocês o pegarão desprevenido e o eliminarão com isso. - Ele colocou o objeto perante os garotos. Era uma pistola comum usada pelos policiais da cidade. - Aqui dentro tem cinco balas, tentem não gastar mais do que o necessário.
- O barulho do tiro não alertará os guardas no primeiro andar? - Malcolm quis saber.
- Christina diz que, apesar de ser possível, é muito improvável que isso aconteça. Ela acha que o barulho gerado pelo falatório na cantina abafará o som do tiro. Se alguma coisa fora do esperado acontecer, Christina intercederá. Ela é ótima com improvisos, podem contar com ela.
           Arthur concluiu as instruções e deixou a arma sobre a mesa para que os três decidissem quem a usaria. Malcolm não esperou para pegá-la. Já havia atirado em alguém antes, ao menos tinha certeza de que ele não hesitaria quando a hora chegasse. Arthur os deixou, dizendo que precisava preparar algumas coisas. Derius não esperou Lisa se recompor, começou a dar algumas dicas para assassinar, disse que improvisar não era ruim, para usar o ambiente em sua vantagem, mas que ter uns truques a mais na manga eram essenciais. Os pôs a par de pequenos detalhes sobre a invasão no dia seguinte, enquanto escovava os pelos de Dinky. Quando terminou os levou até o segundo andar da casa e pediu para que ficassem a vontade para escolher qualquer um dos quartos para pernoitar, e pediu também para que descansassem. Ele os chamaria para comer algo dentro de algum tempo.
           Os três passaram o resto do dia juntos, sentados na cama. Lisa estava encolhida perto da cabeceira, havia parado de chorar, mas ainda não estava comunicativa. Malcolm e Lucas tratavam de detalhar alguns planos de ação entre si. Combinavam alguns comandos e estudavam algumas estratégias. Lisa os observava sem muito interesse. Derius os chamou para comer no início da tarde e no final dela. A comida era boa, mas nada muito sofisticado. Os três conseguiram dormir bem, o que realmente não esperavam. A fadiga acumulada os auxiliou.
           Logo de manhã foram acordados por Derius que os deu algo para comer e pediu para que se preparassem para sair. Lhes foram fornecidos casacos, pois o clima havia esfriado. Malcolm colocou a arma no bolso do seu novo casaco e Lucas fez o mesmo com o walkie-talkie que Arthur lhe dera, após rapidamente ensiná-los como o usar. Os cinco saíram da casa em direção a base dos Eclipse. A densa tensão no ar era palpável. Eles não se sentiam prontos para aquilo, mas a motivação sozinha teria que bastar. Lucas perguntou a Derius sobre a tal escada e ele respondeu que o material que usaria estava bem escondido em uma casa, mais perto da base.
           Depois de algum tempo caminhando, Arthur os advertiu para serem mais cautelosos dali em diante, pois se aproximavam de seu destino. Com um comando sussurrado por Derius, até Dinky se tornou mais sorrateiro.
           O prédio agora estava no campo de visão deles. Era um edifício cinza e amarelo, a tinta descascava em alguns pontos, o que mostrava ser uma construção antiga. Um enorme círculo branco semipreenchido por um círculo preto, logo dos Eclipse, estava pichado nas faces do prédio. Logos menores estavam espalhadas pelo resto da região. Derius se desgarrou do grupo e reapareceu alguns minutos depois trazendo uma grande escada de madeira em condição deplorável e um robusto alicate de corte com o qual ele planejava abrir um buraco na grande cerca de arame farpado.
- Não dava pra conseguir uma escada mais confiável não? - Lucas suplicou.
- Uma grande o bastante para chegar onde queremos, não. - Derius respondeu.
           Arthur os desejou boa sorte e pediu para que Derius os deixasse em posição. Disse que encontraria um lugar com boa visão para se posicionar e que os avisaria quando agir, pelo walkie-talkie. Ele então desapareceu como em um piscar de olhos.
           Derius os levou para uma esquina próxima ao prédio, onde estavam sendo estocados alguns materiais de construção. Eles estavam escondidos atrás de um grande monte de areia e outro de tijolos. Na reta deles estava uma das laterais da base dos Eclipse. Dinky parecia sentir a tensão no ar, ele estava deitado, em alerta, como se esperando algum comando específico de seu dono, o cão pareceu se frustrar quando Derius o mandou ficar, estava crente de que conseguiria alguma ação.
- Vai precisar de ajuda para carregar a escada? - Perguntou Malcolm.
- Não, tá tudo bem. Ela é mais leve do que parece. A madeira não deve ser muito densa. Espero que não quebre. - Derius tentou em vão esconder seu sorriso.
- Por que você está sorrindo? Isso não tem graça alguma. - Lisa disse. - Se essa coisa quebra a gente está perdido.
- Eu sei, eu sei. Mas tentem imaginar a cena. Vocês gritando de terror quando as patrulhas ouvirem o estalido da madeira. Então eu fujo enquanto vocês são capturados e aí... - Derius cobriu sua boca, pensativo. - Têm razão, não é engraçado. Me desculpem.
           Lucas, Malcolm e Lisa se olharam, ambos com uma expressão bem confusa em seus rostos.
- Bom, acho que se subirem um de cada vez não vai ter problema. - Disse Derius. - Só espero que tenhamos tempo o suficiente para agir com toda essa cautela.
           Uma sirene apitou na base dos Eclipse. Os três ficaram em alerta. Seria aquilo uma espécie de alarme de intrusos? Christina havia sido descoberta? Derius logo os explicou que aquele era o alarme para o almoço. Logo o plano entraria em ação.
           O walkie-talkie de Lucas apitou e todos olharam para ele em tempo de flagrá-lo colocando um punhado de areia no bolso do casaco. "Nunca se sabe", ele disse meio tímido. Juntos atenderam ao chamado de Arthur. Ele dizia que Christina já estava em posição dentro da sala de monitoramento, e que estaria passando informações em tempo real para que ele pudesse auxiliá-los. Segundos depois receberam uma segunda chamada, Arthur agora explicava o plano de ação.
- Como previsto, existem dois guardas circulando o prédio em patrulha, estão em extremidades opostas caminhando no mesmo sentido e no mesmo ritmo. Vocês terão em torno de sete minutos para entrar e sair de lá. Esse é o tempo que demora para o primeiro guarda virar a esquina e o outro aparecer. - Falou o pequeno aparelho na mão de Lucas.
- Em dois minutos chegamos na face do prédio, com mais três vocês sobem a escada, em um minuto eu saio de lá. Isso soma seis minutos. - Derius concluiu. - Temos tempo o suficiente.
- Fiquem preparados. Cinco segundos para o primeiro guarda virar a esquina... quatro, três, dois, um. Vão.
           Derius foi o primeiro a sair em disparada. Para a surpresa de todos Dinky nem se mexeu. Malcolm, Lucas e Lisa logo o seguiram em fila indiana, correndo abaixados, como Derius sugeriu. Ao chegar perto o suficiente, Malcolm Avistou uma placa na cerca que dizia, "Perigo. Alta voltagem.", chegou a abrir a boca para alertar Derius antes que ele encostasse o alicate de corte na cerca. Tarde demais. Derius já havia cortado o primeiro arame. Nada parecia ter acontecido. Malcolm logo concluiu que aquilo havia sido um belo blefe. Derius demorou menos tempo que o que havia estimado para cortar a cerca. Deixou seu alicate no chão e logo seguiu para o prédio acompanhado de seus recrutas. Chegando na parede, Derius não perdeu tempo em armar a escada na janela aberta mais próxima. Lucas foi o primeiro a subir. Ele pisou nos degraus com bastante cautela, mas com certa pressa, tanta que não chegou olhar pela janela antes de se jogar. Por sorte a sala que ele adentrou estava vazia. Ele colocou sua cabeça para fora da janela e viu que Lisa já havia começado a subida. Ela subia mais lentamente, mas ninguém pareceu apressá-la. Quando chegou perto, Lucas a ajudou entrar. Antes do pé de Lisa tocar o chão da sala, o walkie-talkie apitou e Lucas o atendeu de imediato, antes mesmo que Malcolm começasse sua subida.
- O guarda tateou seu bolso e está voltando para procurar algo que deixou cair. Abortar. - O aparelho reproduzia a imperativa voz de Arthur. - Repito, abortar!
           Lucas colocou a cabeça pra fora da janela e disse a palavra "Abortar.". Derius sem pestanejar puxou Malcolm, que ainda estava no terceiro degrau, e recolheu a escada.
- Espere, eu preciso subir. - Disse Malcolm alarmado.
- Você precisa é sair daqui. Agora! - Derius falou, já puxando Malcolm pelo braço.
- Calma. - Malcolm tateou o bolso de seu casaco. - Eles precisam disso.
           Malcolm retirou de seu bolso a arma que Arthur os tinha dado. Lucas o olhou em desespero. Ele e Lisa teriam que fazer aquilo sem a ajuda de Malcolm. Isso é, se ele conseguisse pegar a arma. Derius esperou Malcolm fazer o lançamento. Lucas não podia errar a pegada, não haveria uma segunda oportunidade. Malcolm lançou. Conforme a arma fazia seu arco em direção a janela, Lucas viu o tempo passar mais devagar. Ele estendeu sua mão direita para pegar a arma, mas a mesma quicou na palma de sua mão antes que ele pudesse fechar seus dedos. Ainda em câmera lenta ele sentiu raiva de si mesmo, assistiu a arma cair aos poucos e viu também a reação no rosto de Malcolm mudar de derrota para desespero, quando como um raio o corpo de Lisa foi projetado para fora da janela ao seu lado. Ele a segurou de reflexo pelas coxas. Metade do corpo dela pendia para fora do prédio desajeitadamente. Sua barriga havia se ralado um pouco na sacada da janela pela velocidade com a qual ela se jogou, mas ao menos tinha a arma em mãos. Lucas a içou de volta da melhor maneira que pode enquanto via Malcolm e Derius correrem de volta pelo buraco na cerca e sumirem atrás da pilha de tijolos. Lisa chegou a ver o guarda virando a esquina olhando para o chão, em busca de algum objeto perdido, enquanto era puxada de volta para dentro da sala.
           Lucas se sentou no chão e resfolegou.
- Belo mergulho. - Ele disse.
- Levanta. Não temos tempo para isso. - Disse Lisa guardando a arma no bolso do seu largo casaco.
           Observaram que a sala onde se encontravam estava mais para um quarto improvisado. Vários colchonetes e pedaços de estofado estavam jogados pelo chão, assim como algumas peças de roupas aleatórias e travesseiros surrados. Encostado no canto do quarto havia mobília de escritório, o que indicava que aquele quarto havia sofrido uma reestruturação. Enquanto Arthur não lhes passava um novo comando, Lisa colocou seu ouvido na porta e Lucas se pôs a procurar qualquer coisa de útil no quarto. Em uma das gavetas da mesa de escritório, Lucas encontrou um porta-lápis jogado. Dentro dele algumas canetas, lápis e um estilete, que ele pegou para si.
           Arthur entrou em contato e disse que eles deveriam sair do quarto, seguir o corredor à esquerda e então virar à direita depois de um banheiro. Eles encontrariam uma escadaria que os levaria até o último andar, disse também para que ficassem tranquilos, pois não havia nenhum guarda do segundo andar para cima. Lisa não perdeu tempo e logo perguntou sobre o paradeiro de seus irmãos. Arthur disse que Christina não os tinha visualizado pelas câmeras em nenhum lugar do prédio, então era provável que eles estivessem dentro do quarto do comandante, por ser o único cômodo sem um sistema de vigilância. Eles assentiram e tomaram seu rumo. Mesmo sabendo que não encontrariam ninguém pelo caminho, Lisa não conseguia parar de tremer. Essa resposta que seu corpo dava a adrenalina era bem diferente da de Lucas. Ele parecia mais vivo do que nunca, seus olhos estavam focados e arregalados, sua respiração estava, diferente da de Lisa, inaudível, seu comum ar brincalhão estava aos poucos se transformando em uma seriedade diferente da de Malcolm. Enquanto Malcolm permanecia quieto para avaliar os fatos e tomar uma decisão cautelosa, Lucas o fazia como se não estivesse pensando em nada. Como se estivesse dando autorização ao seu corpo de agir por intuição e reflexo. Uma mente perfeitamente limpa para que não o atrapalhasse quando subitamente tivesse de agir.
           Juntos subiram a escadaria até o último andar. Tinham uma hora para sair dali. Tempo mais do que o suficiente.
           Ao pisarem no quinto andar, Arthur os advertiu que o quarto do comandante era seguindo o corredor, a terceira porta à esquerda. Para que eles entrassem calmamente, e ganharem nem que fosse um segundo de atenção pela curiosidade do comandante, que não deveria esperar por visitas. Para o atirador ser o primeiro a entrar no quarto, já com a arma engatilhada e preparada para o tiro. Lucas colocou o walkie-talkie no bolso de trás da calça e pediu então a pistola para Lisa, mas ela fez questão de atirar. Lucas não quis insistir, então a deixou ir na frente. Ela segurou a pistola com sua mão direita na altura do ombro, mirando para cima, como via em filmes, com a mão esquerda ela segurou a maçaneta da porta e hesitou por um momento. Lucas a observou com cautela. Ele sabia que se ela não fosse capaz de agir teria de tomar as rédeas da situação. Um minuto se passou e tudo que Lisa fazia era manter seus olhos fechados e tentar controlar sua respiração. Lucas decidiu intervir, mas justo quando sua mão se aproximava do ombro dela, ela girou a maçaneta.
           Tudo aconteceu muito rápido depois que Lisa entrou no quarto. Ela avistou de imediato um homem do lado direito da sala, sentado a uma mesa, almoçando. Era um homem alto na casa dos cinquenta anos. Ele olhou para ela com certa curiosidade em seus olhos. E Lucas ao entrar, logo depois de Lisa, ainda pode ver a curiosidade se transformar em espanto quando ela apontou a arma na direção do homem. O plano teria sido concluído de imediato, isto é, se Lisa não tivesse hesitado. Os dois ouviram uma fraca voz vindo do outro lado da sala, "Lisa?", a voz dizia. Eles enfim perceberam o problema no qual tinham se metido. Lucas viu um dos gêmeos, aparentemente, desacordado no chão, o outro estava de joelhos, com as mãos amarradas nas costas, rodeado de três homens. Lucas os reconheceu como os capangas que levaram os garotos. Os que Derius estava encarregado de matar. Sua esperança de sair dessa vivo tinha diminuído drasticamente. Lisa balbuciou o nome de Russel quando percebeu o estado em que o menino se encontrava. Seu cabelo havia sido retalhado desproporcionalmente, seu rosto estava disforme pelo inchaço, seu corpo nu apresentava hematomas por toda parte e sangue lhe escorria de diversos cortes superficiais. Lisa caiu de joelhos, incrédula, com a arma ainda em mãos. Sua alma parecia ter deixado o manequim de carne que agora era seu corpo. Ela não tinha mais lágrimas para chorar, voz para falar ou força nos músculos para se mexer. Permaneceu ajoelhada, de frente para seu irmão que a encarava, pela primeira vez, com uma súplica de ajuda no olhar.
           Lucas sabia que tinham perdido a melhor oportunidade deles, mas ainda não estava pronto para desistir. Ele se abaixou rapidamente no intuito de pegar a arma das mãos de Lisa. O comandante, aproveitando a oportunidade e, num súbito movimento, virou a mesa de madeira verticalmente e se abaixou atrás dela para usá-la de escudo. Um dos três capangas sacou seu cutelo de ferro e o colocou rente ao pescoço de Russel.
- Nem mais um passo. – Disse então.
           Lucas paralisou antes de alcançar a arma nas mãos de Lisa. Ela mesma nem parecia ter ouvido o homem falar.
- Max. - Gritou o comandante de trás da mesa. Fora do campo de visão de Lucas. - Jogue meu colete. Está em cima da cama.
           Um dos capangas desarmados se locomoveu até a cama, no centro do quarto, sem tirar os olhos de Lucas. Quebrou então o contato visual para procurar, dentre as peças de roupas bagunçadas em cima da cama, o colete. Ao encontrá-lo o jogou para o comandante, atrás da mesa.
- Ei. - Começou o capanga que tinha pego o colete. - Essa não é a irmã desses merdinhas?
- É ela mesmo. - Respondeu o capanga que Lucas reconheceu como o que havia feito a transação. -  Chefe, o que vamos fazer com eles?
           O comandante se levantou de trás da mesa, agora com um colete a prova de balas vestido por cima de sua camisa havaiana. Ele foi, calmamente, até sua mesa de cabeceira e de dentro da gaveta tirou uma pistola prateada. O comandante sentou em sua cama e avaliou os dois intrusos minuciosamente.
- Tenho ótimos planos para o que fazer com essa rata. - Disse então em um tom perigosamente calmo. - Já o rato, deem-lhe uma surra e então o matem.
           O capanga do cutelo jogou Russel na direção de seu comandante, que o pôs de joelhos em sua frente, para que também pudesse assistir a execução. Ele manteve sua pistola prateada encostada na nuca do menino, para desencorajar seus visitantes.
           O líder dos três capangas tomou a dianteira, Max e o capanga do cutelo estavam mais atrás, em formação de "v". Lucas estava certo de que eles ainda não iam incomodar Lisa, e também não precisavam, a garota era um vegetal que agora olhava para o chão enquanto seu lábio inferior tremia. Ele caminhou para trás e para a direita, para afastar os capangas de Lisa, e deu certo, ele era o foco dos três. Lucas bateu com as costas na parede.
- Parece que o ratinho está encurralado. - Disse o líder dos capangas enquanto estalava as juntas dos dedos da mão.
           Lucas colocou as mãos nos bolsos do casaco. Ele estava preparado. O capanga da frente deferiu um soco direto com a mão esquerda na direção de Lucas, que se abaixou a tempo de esquivar, ele gingou para direita e, como uma cobra, tirou sua mão do casaco e cravou o estilete bem fundo, na lateral do pescoço do homem que, com o impacto, já caía de lado. Os outros dois que estavam atrás não levaram fé na cena que viam. O do cutelo levantou sua arma a segurando com as duas mãos, preparado para guilhotinar um pedaço de Lucas, enquanto o outro seguia com os olhos seu amigo caindo. Lucas encheu sua mão no outro bolso do casaco e jogou areia como um chicote na direção do rosto dos dois outros capangas. O do cutelo foi pego em cheio, o Max, nem tanto, por estar no momento olhando um pouco para o lado. A areia fina bateu em seus olhos como um milhão de navalhas, sua reação foi soltar o cutelo em pleno ar para coçar seus olhos. Lucas contava com isso. Ele viu em câmera lenta o cutelo cair na sua frente, e usando puramente reflexo e instinto, esticou sua mão para pegá-lo. Não teve tanta sorte. Apesar de ter amparado o cutelo em pleno ar, o fez com a palma de sua mão na lâmina do objeto. E como aquilo estava afiado. Na hora, tomado pela adrenalina, Lucas não chegou a sentir o corte, mas viu o vívido líquido vermelho que começara a jorrar de sua mão. Como se para compensar sua má sorte, foi capaz de girar o cutelo em sua mão com exímia destreza, assim, o conseguiu segurar pelo cabo. Usando toda sua força ele cravou o cutelo na face de seu ex-dono, que por ter suas mãos abertas, cobrindo seus olhos, acabou também por perder uns três dedos. O último dos capangas, Max, tinha seu olho esquerdo fechado por causa da areia, mas mesmo com dificuldades se lançou na direção de Lucas. Não teve tempo de ver se o homem estava armado, então não quis arriscar se lançar numa abordagem direta, ao invés disso Lucas mergulhou perto de sua primeira vítima, que jazia se debatendo no chão com o estilete ainda cravado em seu pescoço vermelho. Ele o recuperou e então o cravou no pé esquerdo de Max que olhava incrédulo para ele. A reação de Max foi levantar seu pé e pular em um pé só, mas antes disso Lucas puxou de volta o estilete. Quando o pé direito de Max tocou pela terceira vez o chão em uma dança meio desequilibrada, Lucas usou o estilete para cortar o tendão acima do calcanhar direito de Max. Ele caiu sentado no chão, gritando em uma agonia mortal. Enquanto Lucas se levantava pode ver de relance a expressão de deleite que o comandante tinha em seu rosto, assim como o medo no de Russel. Ele sentou no peito de Max, que ainda gritava e o calou com sua mão direita, sujando o rosto do homem de sangue. Com o estilete ele lentamente cortou a garganta do homem e por alguns segundos assistiu enquanto o sangue jorrava.
           O comandante assistiu Lucas, totalmente embasbacado. Ele precisou de alguns segundos para tomar algum ar. Em algum momento Lisa parecia ter recuperado um pouco da sanidade e parecia estar tentando se lembrar de onde estava e do que acontecia.
- Isso é que eu chamo de entretenimento. - Disse o comandante. Construindo um sorriso. - Judiar desses garotos não é nada perto disso.
- Russel... - Lucas serrou os dentes enquanto se levantava. - Solte o garoto.
           Ouvir o nome de seu irmão fez a mente de Lisa pegar no tranco. Ela piscou seus olhos procurando pela sala. Ao avistar Russel ela fez menção de se levantar.
- Parada aí, ratinha. Seu... - O comandante teve um tique em seu olho esquerdo enquanto lembrava. - Irmãozinho, está por um fio.
- Por favor. Deixa ele em paz. - Lucas pediu. - É só um garoto.
- Mas veja bem. Você acabou de matar três amigos meus. Seria justo se...
- Amigos? - Lucas o interrompeu. - Você estava gostando. Estava estampado na sua cara. Você chamou de entretenimento. Que tipo de pessoa é você?
- Não me interrompa, rato. - Disse enquanto pegava firme na raiz do que restou dos cabelos de Russel.
           O garoto arfou.
- Como eu dizia, seria apenas justo se eu matasse três dos seus amigos, não acha?
- Ninguém precisa matar ninguém. Solte os garotos e nós vamos embora. - Lucas blefou.
           O comandante riu sem achar graça. Abaixou sua cabeça por alguns segundos, enquanto ainda apontava a arma para Russel. Quando levantou de volta sua cabeça ele estava sério. Com raiva. Sua boca se contraiu, uma veia saltou em seu pescoço e ele franziu o cenho. Abaixou sua arma enquanto levantava da cama. Ele andou em um semicírculo e se pôs na frente de Russel. Caminhou vagarosamente em direção a Lucas, mas manteve uma distância segura.
- Vocês entram na minha casa. Apontam uma arma para mim. - Dizia encarando Lucas nos olhos. - Você mata a minha família. Agora me diz que não preciso matar ninguém?
- Calma, por fa...
- Quem diabos você pensa que é? - O comandante gritava sem controle de sua saliva. - Você me pede calma enquanto suas roupas e até esse seu cabelo ridículo pingam com o sangue de meus subordinados. Seu hipócrita maldito. Eu não preciso matar ninguém, mas vou matar porque é isso que eu faço.
           Assim que terminou seu anúncio, o comandante olhou para trás, e apontou sua arma para a cabeça de Russel.
           Lucas não conseguiria intervir a tempo. Os olhos de Lisa encontraram os de seu irmão. Ele estava fraco demais para proferir uma palavra sequer, mas sua irmã leu em seus lábios suas últimas palavras. "Mark". E com o rugido da pistola, Russel caiu. Lisa quis gritar, mas sua voz se perdeu em todas as lembranças que tivera do seu querido irmão.
- NÃO!
           Lucas seguiu a voz, junto ao comandante. Mark estava de pé, nu, e bastante machucado, mas não tanto quanto Russel estivera.
- Um já foi. Agora o outro. - Urrou o comandante.
           A pistola rugiu novamente e um segundo corpo caiu em um baque surdo.
           O comandante jazia de olhos arregalados no chão, com um buraco vermelho entre seus olhos.
           Lucas chegou a acompanhar o movimento sem vida que Lisa realizou. Ela não havia mirado, apenas apontado e atirado.
           Mark caiu de joelhos enquanto o walkie-talkie apitava no bolso traseiro da calça de Lucas. Ele demorou alguns segundos para se tocar e então o atendeu. Assim que o fez percebeu que sua voz estava diferente, cheia de angústia.
- Não sei o que aconteceu aí, mas fizeram barulho demais. - Arthur disse com certa urgência. - Christina está subindo o mais rápido que pode para auxiliar vocês.
- Não vai ser necessário. Acabamos por aqui. - Disse Lucas. Enquanto olhava os corpos.
- Pai do céu. Que carnificina é essa? - Uma voz feminina veio da porta.
           Lucas se virou de imediato para ver uma mulher morena vestindo as cores dos Eclipse, ela tinha duas pistolas em mãos que procuravam bandidos pela sala como cães farejadores.
- Já acabou. - Lucas falou com nada mais que tristeza em sua voz. - Missão cumprida.
- Christina. Hora de improvisar alguma cena. Tire eles daí com vida. - O walkie-talkie proferiu.
           A mulher colocou suas pistolas de volta nos coldres em sua cintura e pensou por alguns segundos.
- Eis o plano. - Ela começou. - Subam as escadas para o terraço e de lá vigiem o térreo. Depois que todos os guardas tiverem fugido em pânico do prédio vocês somem daqui. Estamos sem tempo.
           Ela não precisou esperar confirmação. Correu pra fora do quarto em direção as escadas.
           Lucas não sabia ao certo como tirar Lisa e Mark de lá. Ambos estavam emocionalmente arruinados e ele parecia uma leoa após a caça, tamanha era a quantidade de sangue em suas roupas. Mark estava em prantos sem coragem de chegar perto do corpo de seu irmão. Lisa ainda tinha a pistola com a qual matara o comandante em mãos e estava olhando para ela. Ele tirou seu casaco e o jogou para longe, foi até a cama e rasgou com as mãos nuas dois grandes pedaços de lençol. Com um cobriu o corpo de Russel, com o outro fez uma capa para Mark vestir. Ele tirou a arma das mãos mortas do comandante e a guardou para si, assim como o colete. Procurou pela cama do comandante e encontrou um casaco branco que o servia, o vestiu por cima do colete. Pegou Mark no colo e ajudou Lisa a se levantar, guardou a arma dela também. Pensou que Lisa estaria relutante em deixar a sala, mas no fim de tudo ela já não tinha mais forças para brigar. Ele levou os dois consigo até as escadas, onde conseguiu escutar Christina gritar ensandecida que haviam bombas no prédio e que todos deviam evacuar o edifício se prezavam por suas vidas.
           No terraço, Lisa e Mark ficaram abraçados no chão enquanto da amurada Lucas via os guardas deixando o prédio como uma manada de antílopes sendo atacada por famintos predadores. O garoto menor estava em prantos. Acabara de perder o que pra ele era sua segurança, seu melhor amigo. Lucas conseguiu imaginar a dor. Ele se sentiria exatamente assim se por um acaso perdesse Malcolm.
                  A missão havia sido um sucesso, mas o preço que pagaram por ela havia sido alto demais.